quarta-feira, 3 de março de 2010

MÚSICA É PARA TODOS

O ilustre compositor e educador musical húngaro Zoltán Kodály, em uma palestra proferida em 1946, afirmou: “Nós precisamos estabelecer, a começar pelas crianças, a idéia de que música pertence a todos e que, com um pouco de esforço, está à disposição de todos.” Poderíamos acrescentar a este pensamento inclusivo que isto não se restringe apenas a crianças ou adultos considerados talentosos, mas a todos os seres humanos. Todos podem desenvolver sua capacidade musical e ser beneficiados por este contato com uma das artes mais significativas para o desenvolvimento do ser humano.

O que significa ser musical? Ser musical pode ser definido como ser sensível a um estímulo musical. Dificilmente se encontra alguém que seja totalmente indiferente à música. Pode-se ter preferência por certo estilo, certo intérprete. De toda a maneira, algum tipo de música certamente mexerá com a sensibilidade de um indivíduo. No que concerne a crianças, este fato é especialmente marcante. As músicas de certos programas infantis, de grupos musicais favoritos, estão sempre, de uma forma ou de outra, incluídas em suas brincadeiras. Como disse a educadora americana Patrícia Shehan Campbell: “ As crianças consideram música uma parte significativa de suas vidas diárias, e elas encontram significado na música que elas experienciam.”

Diversos estudos já comprovaram que a aprendizagem musical auxilia o desenvolvimento intelectual das crianças de diversas maneiras. O desenvolvimento do raciocínio espacial, tão característico da escrita musical, favorece uma maior facilidade com conceitos matemáticos. A leitura também pode ser desenvolvida com o auxílio da música, empregando estratégias melódicas e rítmicas que facilitem a assimilação da junção de letras e sílabas. O desenvolvimento de uma percepção auditiva refinada, capaz de distinguir diferentes características sonoras, além de favorecer uma capacidade de concentração aguçada, também estimula a capacidade organizacional da atividade intelectual. O processo do perceber e sentir fisicamente os diferentes ritmos auxilia, em especial, o desenvolvimento da atividade motora.

Estes benefícios puderam ser comprovados mais de perto através do projeto MUSISER, realizado na Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, de 2008 a 2009, com crianças pré-escolares na faixa dos 4 aos 6 anos. Este projeto teve como objetivo inserir a música no cotidiano da criança através de uma série de vivências rítmicas utilizando exercícios físicos e locomotores, do engajamento em atividades de execução instrumental e do canto em conjunto, de exercícios de percepção auditiva e da audição programada de certos conteúdos musicais. Pode ser observado, após o período de realização do projeto, um aumento bastante significativo na capacidade da atenção e concentração infantil, um desenvolvimento da precisão na realização rítmica, um despertar da capacidade para sentir as diversas expressões emocionais relativas às músicas ouvidas, contribuindo, desta forma, para o enriquecimento e amadurecimento da criança, e estimulando, especialmente, sua capacidade criativa. Sendo a inteligência musical uma das várias inteligências possuídas pela criança, as aquisições conseguidas através do processo prazeroso do aprendizado musical poderão ser transferidas para outras áreas da mente infantil, conforme atestam vários estudos, em especial o do psicólogo americano Dr. Howard Gardner. Além disso, a conquista de certos desafios inerentes à aprendizagem musical, como por exemplo o de se conseguir tocar com sucesso uma música em um instrumento musical, também propicia um sentimento saudável de conquista e de confiança quanto à própria capacidade, contribuindo para a auto-estima da criança. Como afirmou orgulhosamente uma criança de 5 anos, após uma apresentação em público ao final do projeto: “Eu sou o rei da gaita-de-fole!”, referindo-se a um dos exercícios realizados no piano durante o Musiser. Tocar juntamente com outros traz, ainda,o benefício de estar em um processo cooperativo, contribuindo para um resultado mágico final, que é produzir algo agradável e admirado por todos.

Permitir que um aprendizado musical faça parte da experiência das crianças, entretanto, não significa que algum “talento” especial precise estar aparente, ou que este aprendizado deva vir a ser um processo voltado para a formação de prodígios, nem ainda que este aprendizado estará, de alguma forma, influenciando o futuro profissional da criança. Muitas crianças poderão vir a desenvolver uma habilidade musical especial através de um processo de aprendizagem. Entretanto, outros interesses também estarão se processando durante seu desenvolvimento como ser humano. Com a cooperação das aquisições conseguidas através do contato com a música e com sua capacidade criativa, o potencial de desenvolvimento da criança estará se beneficiando enormemente, em qualquer área do conhecimento.E a música poderá acompanhar seu percurso, auxiliando-a e inspirando-a. Voltando a Kodály: “Música pertence a TODOS!” E todos os que tiverem uma aproximação com a música se beneficiarão dela de alguma maneira. Como bem colocou Jean Jacques-Dalcroze, educador musical suíço, em 1920: “...uma criança que cultiva um gosto por cantar e por boa música irá retê-lo por toda a sua vida.”

Concluindo, incluir música no programa de aquisição de aprendizagens da criança pode vir a beneficiá-la em diversos aspectos de sua vida. Além de tantas outras práticas incluídas no dia-a-dia da criança, considerar a inclusão do aprendizado musical pode vir a propiciar, além dos resultados favoráveis ao intelecto acima mencionados, um meio de expressão dos mais belos e inspiradores, permitindo que esta inspiração transborde para as outras áreas do desenvolvimento da criança.


Um comentário:

  1. Texto riquíssimo e inspirador para todos que encaram a música como um meio de crescimento pessoal ou mesmo de reforma íntima.

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