domingo, 3 de julho de 2011
MUSISER e PIANO CRIATIVO
Como uma conseqüência do Projeto MUSISER foi criado em 2010 o trabalho chamado Piano Criativo. Como várias crianças que haviam iniciado no MUSISER em 2008 haviam adentrado o período da alfabetização, estando, portanto, prontas para a leitura musical propriamente dita, o Piano Criativo surgiu para que elas pudessem dar continuidade ao trabalho do MUSISER, através de um processo sequencial afinado com o realizado anteriormente.
Desta forma, no Piano Criativo o ensino instrumental individual passa a ter um foco mais direcionado, entretanto sem perder a parceria com as atividades em grupo, que são organizadas com pequenos grupos de alunos do mesmo nível de aprendizagem e da mesma faixa etária. No trabalho em grupo continua-se a enfatizar atividades rítmicas corporais e exercícios de percepção, afinação mental e entoação, em parceria com o conteúdo aprendido no instrumento. Com isto, o grupo passa a ser um fator de interação altamente valioso e estimulante para a criatividade infantil. Além disso, percebe-se que a conscientização musical está presente constantemente nos exercícios e na execução no instrumento, tornando mais fácil o " tirar músicas de ouvido" e também a "criação" musical consciente. A ênfase no desenvolvimento da criatividade, e não apenas na aprendizagem instrumental, é a meta essencial do Piano Criativo.
As atividades de audição de seleções musicais ganham novos ingredientes, à medida que conceitos são adicionados ao aprendizado, e com isto é facilitada a percepção clara de nuances mais refinadas. Conforme afirmamos anteriormente, através do treino musical o cérebro infantil apresenta um desenvolvimento notável, e isto contribui para a pronta realização e conscientização de detalhes, que muitas vezes são difíceis de serem captados, até mesmo por um adulto. Como exemplo disto, numa das últimas aulas em grupo do Piano Criativo (cujo aprendizado musical está na fase de leitura e percepção intervalar de passos e saltos, ou seja, intervalos de 2ªs e 3ªs) foi apresentado para a audição do grupo o início do 4º movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven. Este grupo conta com crianças entre os 7 e 9 anos, que apesar de já terem ouvido a peça anteriormente, não tinham qualquer noção a respeito da tonalidade da mesma. Ao serem perguntados se eles identificavam as notas iniciais do tema, todos, sem exceção, responderam: Dó - Mi - Sol! Isto é extremamente notável, especialmente quando muitas vezes alunos adultos dos Cursos de Graduação em Música apresentam dificuldades em perceber tão claramente.
O piano (ou teclado), como instrumento de iniciação musical, apresenta a vantagem de ser um instrumento temperado, e portanto de som fixo - favorecendo, assim, o desenvolvimento da aquisição do chamado "ouvido absoluto", ou seja, a facilidade de perceber qualquer altura de som instantaneamente. É claro que para isto o instrumento precisa estar afinado. A visualização clara do teclado também favorece a pronta percepção da localização das notas, as repetições das oitavas mais agudas ou mais graves, e a relação intervalar entre as notas sempre constante, especialmente no que diz respeito à forma da posição da mão e dos dedos para tocá-los em qualquer que seja o registro do instrumento. A possibilidade de, num mesmo instrumento, realizar uma melodia e seu acompanhamento também favorece a conscientização harmônica. Não queremos, com isso, tirar o mérito de outros instrumentos. Certamente eles também apresentam vantagens, possuem sonoridades belas e expressivas e merecem ser explorados. No entanto, podemos afirmar que, sem dúvida, a iniciação através do teclado favorece de forma especial a pronta percepção de vários componentes sonoros e musicais.
sábado, 2 de julho de 2011
Ouvindo e Percebendo Música
Um dos principais objetivos em um treinamento musical com crianças é desenvolver habilidades auditivas. Algumas citações a respeito disto podem fortalecer alguns pontos específicos: “Através do ouvir atento a criança torna-se capaz de integrar uma estimulação externa com seu próprio mundo, ou seja, ela torna-se capaz de aprender.... A música é mágica em sua habilidade de forjar conexões entre os corações de seres humanos através do ritmo, da voz e do som. Tão miraculosa quanto esta habilidade, uma vez que este laço é estabelecido, é a condução da criança a um novo conhecimento intelectual e a uma nova habilidade expressiva.” (1) “Ouvir bem tem uma importância fundamental para o desenvolvimento cognitivo.” (2) Atualmente várias pesquisas na área interligada da música e da neurociência vêm revelando resultados surpreendentes sobre os efeitos benéficos da audição musical em diversas circunstâncias. A Fundação Mariani (www.fondazione-mariani.org ), organização dedicada a estas pesquisas, vem divulgando resultados muito significativos. Um estudo dos mais interessantes, no que concerne à importância da aprendizagem musical em crianças pequenas, foi realizado no Instituto Neurológico de Montreal da McGill University. Este estudo demonstrou que mudanças estruturais cerebrais induzidas por um treinamento puderam ser percebidas em crianças pequenas após um período de apenas 15 meses de treinamento musical, estando incluídos entre estas mudanças uma melhoria nas habilidades motoras e auditivas musicalmente relevantes. Este e outros estudos vem trazendo uma nova luz quanto à plasticidade do cérebro, e sobre como ele pode ser alimentado, através de um treinamento adequado, de forma a expandir potenciais os mais diversos para o desenvolvimento humano. (3)
Muito antes de uma criança poder entender o significado de palavras específicas ela já é fascinada pelo som de ritmos e timbres diversos. Sons percebidos alimentam conexões no cérebro, auxiliando no desenvolvimento da memória e do raciocínio.
Situar o desenvolvimento da habilidade auditiva, portanto, como uma ferramenta das mais necessárias para o desenvolvimento mental e emocional da criança, não é exagero de entusiastas, mas antes, conforme vem sendo mais e mais comprovado, uma alavanca poderosa para a abertura de janelas para a criatividade nas mais diversas áreas do conhecimento humano.
É com base nestes pressupostos que as atividades de audição musical são integradas no Projeto Musiser, ou seja, não buscando simplesmente reforçar os conhecimentos aprendidos nos exercícios realizados em sala de aula, mas, antes, apresentando e familiarizando as crianças com um repertório diversificado, divertido e refinado, que possa vir a auxiliá-las em seus processos de desenvolvimentos mental, emocional e psíquico. Considerando as respostas que obtivemos quanto a estas atividades durante o período da fase da pesquisa do projeto, entre 2008 e 2010, pudemos comprovar o benefício da audição musical para as crianças, conquanto esta seja realizada sem compulsão e de uma forma que lhes seja agradável.
As seleções para a audição musical podem ser as mais diversas, utilizando o bom senso quanto ao tipo de conteúdo emocional acessível a cada faixa etária. O gênero musical pode variar, do clássico ao popular e folclórico, de acordo com os objetivos pretendidos com a audição. Diferentes timbres instrumentais, andamentos contrastantes, desde o lento da canção de ninar até uma marcha entusiasmada, sons suaves e fortes, curtos ou longos, acelerandos e ritardandos, podem ser explorados e observados quanto à capacidade de percepção infantil. É interessante notar a resposta individual da criança quanto à seleção ouvida, a emoção que ela associa a determinada música. Para isto, especialmente em se tratando de crianças pré-escolares, o acompanhamento dos pais na realização desta atividade é extremamente importante, de forma a poder apreciar as reações da criança, suas preferências e motivações .
A partir das primeiras experiências auditivas, conforme outros conteúdos forem sendo acrescentados ao repertório familiar da criança, sua habilidade perceptiva poderá ser expandida, como uma rede de associações mais e mais abrangente e mais enriquecedora.
Notas:
(1) Campbell, Don. The Mozart Effect for Children. New York: Quill, 2002,
(2) Lu, Daisy. T. in http://centerformusicmedicine.org/pdfs-music-and-learning/Music_Education_Beyond_the_Mozart_Effect.pdf, 2007.
(3) Hyde KL, Lerch J, Norton A, Forgeard M, Winner E, Evans AC, Schlaug G. Musical training shapes structural brain development, in Neuromusic News, Nº 56, 2 Abril 2009.