sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Conhecendo mais sobre Música

Após um longo período de ausência (sincronizado às longas paradas no trabalho na Universidade), retorno a compartilhar algumas idéias sobre o trabalho da música para o desenvolvimento humano. Um grande educador e historiador francês, George Snyders, que, entre outras publicações, escreveu um livro bastante interessante para o atual momento brasileiro em que a música está, potencialmente,  retornando às escolas, com o seguinte título: "A escola pode ensinar as alegrias da música?"(Cortez Editora, 2008), me fêz refletir sobre o que se pretende com o ensino musical, quer seja este uma disciplina escolar curricular, ou uma atividade paralela a este, opcional. Sem dúvida, uma aproximação para com a aprendizagem musical deve estar baseada na disposição do aluno para com o aprendizado, e é preciso que os tutores pensem primeiramente nos propósitos do aluno em aprender. A partir destas disposições do aluno é possível introduzir exemplos de músicas que comecem a formar um mundo sonoro de grandes exemplos musicais, que sirvam não só para seu deleite pessoal, mas que lhe sirvam como fonte de inspiração.

É difícil, por vezes, organizar o ensino musical de iniciantes de forma a abranger todos os aspectos desejáveis, sejam eles: atividades rítmico-motoras, percepção auditiva, noções teóricas, prática da performance, exercícios de improvisação e de criatividade musical. Eu ainda acrescentaria a esta lista noções de História da Música (clássica e popular). O interesse das crianças por conteúdos históricos é grande. É possível introduzir exemplos de instrumentos antigos, exemplos de performances, e gradativamente ir construindo uma familiarização com o desenvolvimento sonoro.

Um excelente livro de apoio para esta área é o livro "História da Música para Crianças", de Monika e Hans-Günter Heumann, da Editora Martins Fontes, 2011.


                                               

Os autores apresentam o desenrolar da História da Música de forma bastante agradável para a criança, através de uma história de aventura  numa máquina do tempo. No decorrer dos capítulos, são apresentados alguns testes de compreensão dos assuntos apresentados. O livro não é acompanhado de exemplos de áudio, entretanto não há nada que uma  busca rápida no You Tube não resolva. À medida em que a familiarização com o desenvolvimento da criação musical se torna mais compreensível, podemos chegar, com um preparo mais sólido, à apresentação das "grandes obras primas", conforme o alvo de Snyders.  A preparação dos ouvidos, do espírito e da imaginação para ouvir e sentir a linguagem musical das grandes obras musicais é algo que merece ser um alvo a ser atingido, como algo que certamente irá influenciar o ser humano. A partir daí o tocar, cantar, reger, irá fazer todo o sentido.
Durante este ano que passou pudemos perceber  vários exemplos destes estímulos causados por um contato com uma determinada música, seja ela a "Ode à Alegria", da 9ª Sinfonia de Beethoven, num arranjo simplificado, ou o tema de "Star Wars", de John Williams. Quão gratificante é ver uma criança empolgar-se com determinada música, identificar-se com ela... O mundo das músicas especiais podem ajudar a criar um elemento poderoso de beleza nas mentes infantis, na construção de padrões estéticos, desta forma auxiliando-as em seus potenciais criativos.  Segundo Snyders: " É por isso que o amor à arte e o amor à difusão da arte constituem atividades de uma vida, atividades às quais consagrar a vida. ... e que se preocupe em propor experiências de beleza."

domingo, 3 de julho de 2011

MUSISER e PIANO CRIATIVO






Como uma conseqüência do Projeto MUSISER foi criado em 2010 o trabalho chamado Piano Criativo. Como várias crianças que haviam iniciado no MUSISER em 2008 haviam adentrado o período da alfabetização, estando, portanto, prontas para a leitura musical propriamente dita, o Piano Criativo surgiu para que elas pudessem dar continuidade ao trabalho do MUSISER, através de um processo sequencial afinado com o realizado anteriormente.

Desta forma, no Piano Criativo o ensino instrumental individual passa a ter um foco mais direcionado, entretanto sem perder a parceria com as atividades em grupo, que são organizadas com pequenos grupos de alunos do mesmo nível de aprendizagem e da mesma faixa etária. No trabalho em grupo continua-se a enfatizar atividades rítmicas corporais e exercícios de percepção, afinação mental e entoação, em parceria com o conteúdo aprendido no instrumento. Com isto, o
grupo passa a ser um fator de interação altamente valioso e estimulante para a criatividade infantil. Além disso, percebe-se que a conscientização musical está presente constantemente nos exercícios e na execução no instrumento, tornando mais fácil o " tirar músicas de ouvido" e também a "criação" musical consciente. A ênfase no desenvolvimento da criatividade, e não apenas na aprendizagem instrumental, é a meta essencial do Piano Criativo.

As atividades de audição de seleções musicais ganham novos ingredientes, à medida que conceitos são adicionados ao aprendizado, e com isto é facilitada a percepção clara de nuances mais refinadas. Conforme afirmamos anteriormente, através do treino musical o cérebro infantil apresenta um desenvolvimento notável, e isto contribui para a pronta realização e conscientização de detalhes, que muitas vezes são difíceis de serem captados, até mesmo por um adulto.
Como exemplo disto, numa das últimas aulas em grupo do Piano Criativo (cujo aprendizado musical está na fase de leitura e percepção intervalar de passos e saltos, ou seja, intervalos de 2ªs e 3ªs) foi apresentado para a audição do grupo o início do 4º movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven. Este grupo conta com crianças entre os 7 e 9 anos, que apesar de já terem ouvido a peça anteriormente, não tinham qualquer noção a respeito da tonalidade da mesma. Ao serem perguntados se eles identificavam as notas iniciais do tema, todos, sem exceção, responderam: Dó - Mi - Sol! Isto é extremamente notável, especialmente quando muitas vezes alunos adultos dos Cursos de Graduação em Música apresentam dificuldades em perceber tão claramente.

O piano (ou teclado), como instrumento de iniciação musical, apresenta a vantagem de ser um instrumento temperado, e portanto de som fixo - favorecendo, assim, o desenvolvimento da aquisição do chamado "ouvido absoluto", ou seja, a facilidade de perceber qualquer altura de som instantaneamente. É claro que para isto o instrumento precisa estar afinado. A visualização clara do teclado também favorece a pronta percepção da localização das notas, as repetições das oitavas mais agudas ou mais graves, e a relação intervalar entre as notas sempre constante, especialmente no que diz respeito à forma da posição da mão e dos dedos para tocá-los em qualquer que seja o registro do instrumento. A possibilidade de, num mesmo instrumento, realizar uma melodia e seu acompanhamento também favorece a conscientização harmônica. Não queremos, com isso, tirar o mérito de outros instrumentos. Certamente eles também apresentam vantagens, possuem sonoridades belas e expressivas e merecem ser explorados. No entanto, podemos afirmar que, sem dúvida, a iniciação através do teclado favorece de forma especial a pronta percepção de vários componentes sonoros e musicais.

sábado, 2 de julho de 2011

Ouvindo e Percebendo Música


Um dos principais objetivos em um treinamento musical com crianças é desenvolver habilidades auditivas. Algumas citações a respeito disto podem fortalecer alguns pontos específicos: “Através do ouvir atento a criança torna-se capaz de integrar uma estimulação externa com seu próprio mundo, ou seja, ela torna-se capaz de aprender.... A música é mágica em sua habilidade de forjar conexões entre os corações de seres humanos através do ritmo, da voz e do som. Tão miraculosa quanto esta habilidade, uma vez que este laço é estabelecido, é a condução da criança a um novo conhecimento intelectual e a uma nova habilidade expressiva.” (1) “Ouvir bem tem uma importância fundamental para o desenvolvimento cognitivo.” (2) Atualmente várias pesquisas na área interligada da música e da neurociência vêm revelando resultados surpreendentes sobre os efeitos benéficos da audição musical em diversas circunstâncias. A Fundação Mariani (www.fondazione-mariani.org ), organização dedicada a estas pesquisas, vem divulgando resultados muito significativos. Um estudo dos mais interessantes, no que concerne à importância da aprendizagem musical em crianças pequenas, foi realizado no Instituto Neurológico de Montreal da McGill University. Este estudo demonstrou que mudanças estruturais cerebrais induzidas por um treinamento puderam ser percebidas em crianças pequenas após um período de apenas 15 meses de treinamento musical, estando incluídos entre estas mudanças uma melhoria nas habilidades motoras e auditivas musicalmente relevantes. Este e outros estudos vem trazendo uma nova luz quanto à plasticidade do cérebro, e sobre como ele pode ser alimentado, através de um treinamento adequado, de forma a expandir potenciais os mais diversos para o desenvolvimento humano. (3)

Muito antes de uma criança poder entender o significado de palavras específicas ela já é fascinada pelo som de ritmos e timbres diversos. Sons percebidos alimentam conexões no cérebro, auxiliando no desenvolvimento da memória e do raciocínio.

Situar o desenvolvimento da habilidade auditiva, portanto, como uma ferramenta das mais necessárias para o desenvolvimento mental e emocional da criança, não é exagero de entusiastas, mas antes, conforme vem sendo mais e mais comprovado, uma alavanca poderosa para a abertura de janelas para a criatividade nas mais diversas áreas do conhecimento humano.

É com base nestes pressupostos que as atividades de audição musical são integradas no Projeto Musiser, ou seja, não buscando simplesmente reforçar os conhecimentos aprendidos nos exercícios realizados em sala de aula, mas, antes, apresentando e familiarizando as crianças com um repertório diversificado, divertido e refinado, que possa vir a auxiliá-las em seus processos de desenvolvimentos mental, emocional e psíquico. Considerando as respostas que obtivemos quanto a estas atividades durante o período da fase da pesquisa do projeto, entre 2008 e 2010, pudemos comprovar o benefício da audição musical para as crianças, conquanto esta seja realizada sem compulsão e de uma forma que lhes seja agradável.


As seleções para a audição musical podem ser as mais diversas, utilizando o bom senso quanto ao tipo de conteúdo emocional acessível a cada faixa etária. O gênero musical pode variar, do clássico ao popular e folclórico, de acordo com os objetivos pretendidos com a audição. Diferentes timbres instrumentais, andamentos contrastantes, desde o lento da canção de ninar até uma marcha entusiasmada, sons suaves e fortes, curtos ou longos, acelerandos e ritardandos, podem ser explorados e observados quanto à capacidade de percepção infantil. É interessante notar a resposta individual da criança quanto à seleção ouvida, a emoção que ela associa a determinada música. Para isto, especialmente em se tratando de crianças pré-escolares, o acompanhamento dos pais na realização desta atividade é extremamente importante, de forma a poder apreciar as reações da criança, suas preferências e motivações .


A partir das primeiras experiências auditivas, conforme outros conteúdos forem sendo acrescentados ao repertório familiar da criança, sua habilidade perceptiva poderá ser expandida, como uma rede de associações mais e mais abrangente e mais enriquecedora.



Notas:

(1) Campbell, Don. The Mozart Effect for Children. New York: Quill, 2002,

(2) Lu, Daisy. T. in http://centerformusicmedicine.org/pdfs-music-and-learning/Music_Education_Beyond_the_Mozart_Effect.pdf, 2007.

(3) Hyde KL, Lerch J, Norton A, Forgeard M, Winner E, Evans AC, Schlaug G. Musical training shapes structural brain development, in Neuromusic News, Nº 56, 2 Abril 2009.

quarta-feira, 3 de março de 2010

MÚSICA É PARA TODOS

O ilustre compositor e educador musical húngaro Zoltán Kodály, em uma palestra proferida em 1946, afirmou: “Nós precisamos estabelecer, a começar pelas crianças, a idéia de que música pertence a todos e que, com um pouco de esforço, está à disposição de todos.” Poderíamos acrescentar a este pensamento inclusivo que isto não se restringe apenas a crianças ou adultos considerados talentosos, mas a todos os seres humanos. Todos podem desenvolver sua capacidade musical e ser beneficiados por este contato com uma das artes mais significativas para o desenvolvimento do ser humano.

O que significa ser musical? Ser musical pode ser definido como ser sensível a um estímulo musical. Dificilmente se encontra alguém que seja totalmente indiferente à música. Pode-se ter preferência por certo estilo, certo intérprete. De toda a maneira, algum tipo de música certamente mexerá com a sensibilidade de um indivíduo. No que concerne a crianças, este fato é especialmente marcante. As músicas de certos programas infantis, de grupos musicais favoritos, estão sempre, de uma forma ou de outra, incluídas em suas brincadeiras. Como disse a educadora americana Patrícia Shehan Campbell: “ As crianças consideram música uma parte significativa de suas vidas diárias, e elas encontram significado na música que elas experienciam.”

Diversos estudos já comprovaram que a aprendizagem musical auxilia o desenvolvimento intelectual das crianças de diversas maneiras. O desenvolvimento do raciocínio espacial, tão característico da escrita musical, favorece uma maior facilidade com conceitos matemáticos. A leitura também pode ser desenvolvida com o auxílio da música, empregando estratégias melódicas e rítmicas que facilitem a assimilação da junção de letras e sílabas. O desenvolvimento de uma percepção auditiva refinada, capaz de distinguir diferentes características sonoras, além de favorecer uma capacidade de concentração aguçada, também estimula a capacidade organizacional da atividade intelectual. O processo do perceber e sentir fisicamente os diferentes ritmos auxilia, em especial, o desenvolvimento da atividade motora.

Estes benefícios puderam ser comprovados mais de perto através do projeto MUSISER, realizado na Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, de 2008 a 2009, com crianças pré-escolares na faixa dos 4 aos 6 anos. Este projeto teve como objetivo inserir a música no cotidiano da criança através de uma série de vivências rítmicas utilizando exercícios físicos e locomotores, do engajamento em atividades de execução instrumental e do canto em conjunto, de exercícios de percepção auditiva e da audição programada de certos conteúdos musicais. Pode ser observado, após o período de realização do projeto, um aumento bastante significativo na capacidade da atenção e concentração infantil, um desenvolvimento da precisão na realização rítmica, um despertar da capacidade para sentir as diversas expressões emocionais relativas às músicas ouvidas, contribuindo, desta forma, para o enriquecimento e amadurecimento da criança, e estimulando, especialmente, sua capacidade criativa. Sendo a inteligência musical uma das várias inteligências possuídas pela criança, as aquisições conseguidas através do processo prazeroso do aprendizado musical poderão ser transferidas para outras áreas da mente infantil, conforme atestam vários estudos, em especial o do psicólogo americano Dr. Howard Gardner. Além disso, a conquista de certos desafios inerentes à aprendizagem musical, como por exemplo o de se conseguir tocar com sucesso uma música em um instrumento musical, também propicia um sentimento saudável de conquista e de confiança quanto à própria capacidade, contribuindo para a auto-estima da criança. Como afirmou orgulhosamente uma criança de 5 anos, após uma apresentação em público ao final do projeto: “Eu sou o rei da gaita-de-fole!”, referindo-se a um dos exercícios realizados no piano durante o Musiser. Tocar juntamente com outros traz, ainda,o benefício de estar em um processo cooperativo, contribuindo para um resultado mágico final, que é produzir algo agradável e admirado por todos.

Permitir que um aprendizado musical faça parte da experiência das crianças, entretanto, não significa que algum “talento” especial precise estar aparente, ou que este aprendizado deva vir a ser um processo voltado para a formação de prodígios, nem ainda que este aprendizado estará, de alguma forma, influenciando o futuro profissional da criança. Muitas crianças poderão vir a desenvolver uma habilidade musical especial através de um processo de aprendizagem. Entretanto, outros interesses também estarão se processando durante seu desenvolvimento como ser humano. Com a cooperação das aquisições conseguidas através do contato com a música e com sua capacidade criativa, o potencial de desenvolvimento da criança estará se beneficiando enormemente, em qualquer área do conhecimento.E a música poderá acompanhar seu percurso, auxiliando-a e inspirando-a. Voltando a Kodály: “Música pertence a TODOS!” E todos os que tiverem uma aproximação com a música se beneficiarão dela de alguma maneira. Como bem colocou Jean Jacques-Dalcroze, educador musical suíço, em 1920: “...uma criança que cultiva um gosto por cantar e por boa música irá retê-lo por toda a sua vida.”

Concluindo, incluir música no programa de aquisição de aprendizagens da criança pode vir a beneficiá-la em diversos aspectos de sua vida. Além de tantas outras práticas incluídas no dia-a-dia da criança, considerar a inclusão do aprendizado musical pode vir a propiciar, além dos resultados favoráveis ao intelecto acima mencionados, um meio de expressão dos mais belos e inspiradores, permitindo que esta inspiração transborde para as outras áreas do desenvolvimento da criança.